A porta aberta

Alisson Santos
2 min readMay 25, 2021

Quando acordo, raramente tenho certeza de como está o tempo. Minha dúvida é certa: será que chove?

Invisto um tempo, ainda na cama, olhando para o teto… Para me preparar para o começo do dia. O percurso é o mesmo diariamente: levanto, arrumo a cama, vou ao banheiro, abro a porta. Esta porta da imagem.

Essa grade é recente, por necessidade foi colocada, para gerar mais proteção. Além disso, ela gera um maior espaço de tempo até estar aberta. Alguns cadeados precisam ser removidos, ferrolhos abertos e voltas na chave precisam ser dadas. Tudo isso precisa acontecer para estar aberta e eu tirar minha dúvida sobre o tempo.

É sempre um momento ansioso, ver o que aparece do outro lado da porta. Após abrir, sinto o sol, me aqueço um pouco, me acordo… Em casa é frio, gélido, cinza quando amanhece.

Depois desse momento é hora de tomar café. A mesa da cozinha é de seis cadeiras, eu sempre sento na mesma: a segunda cadeira do lado direito de frente à porta. Às vezes faço o café — raramente —, em outros momentos ele já está pronto — com frequência. Meu pai acorda bem cedo, deixa-o pronto.

Ao passo que vou colocando o café na xícara, dosando o açúcar, adicionando o leite, me perco olhando para a porta aberta. Diariamente, do mesmo lugar tenho afetações diferentes. Hoje, especialmente, me perdi pelo caminho da porta aberta.

Notei que toda manhã “fico na porta”. Nem lá, nem cá; na porta. Pude perceber que o lugar do meio me captura constantemente. Não sei como falo desse lugar, mas, ele me toma pelas manhãs.

Meu olhar vagueia pelas possibilidades de poder passar “entre”. Poder estar na indefinição, de ter a certeza que do que há aqui, mas, nunca saber o que existe no outro lado da porta.

Até a escrita desse texto, meu dia foi marcado por uma parcialidade de clareza sobre o que sinto. Sobre ter a certeza de apenas um lado da porta, o lado que estou.

Antes de chegar aqui, fui capturado por evento afetivo, que me trouxe mais clareza à minha parcialidade. A cena que me demoro todas as manhãs, que hoje foi peculiar, se repete, agora, sem a porta.

Olhar a porta, é pensar no salto, na travessia de ir para um lugar que só se faz quando eu for, quando eu sair da segunda cadeira do lado direito de frente à porta.

Posso te dizer que a porta aberta, é convite que aceitei a tempos, mas, apenas agora a porta se faz passagem. Eu consigo deixar de olhar, passo a considerá-la parte do lugar que habito. É um lugar mestiço, tigrado por minhas mexidas no açúcar na xícara de café, pela dosagem do leite, pelo olhar vago que se vê no espaço ocupável da porta.

--

--

Alisson Santos

Psicólogo, psicoterapeuta, professor em escolas técnicas. Autor do livro Rimas Imperfeitas, Poemas de bolso, O livro das Afetações e Org. Antologia Líquida.